Implicações do Uso de Telefones Celulares por Motoristas

ARTIGOS

Renan Soares Júnior e Bianca Cruz

5/5/20259 min read

Introdução

Os sinistros de trânsito são considerados como um importante problema de saúde em escala mundial desde 2004 pela Organização Mundial da Saúde - OMS. Desde o ano de 2011 os 192 países membros da ONU têm realizado ações ligadas à temática da segurança viária que compuseram o esforço de melhoria do panorama por meio da Primeira Década Mundial pela Segurança no Trânsito, que se realizou entre os anos de 2011 e 2020 (OPAS, 2018).

De acordo com a OMS (2009) e Organização Pan-Americana de Saúde (2018) as estatísticas mostram que cerca de 1,3 milhões de pessoas morrem anualmente desde 2009 e em média 50 milhões de pessoas ficam lesionadas devido ao envolvimento em sinistros de trânsito. Com a replicação de práticas que obtiveram sucesso ao redor do mundo, o número mundial de mortes no trânsito que estava previsto para chegar a magnitude anual de 2,5 milhões de pessoas foi estagnado no mesmo patamar em que se encontrava em 2009. Esses altos números estão ligados a comportamentos de risco relacionados ao uso excessivo de velocidade, combinação entre consumo de bebidas alcóolicas e condução de veículos, a falta ou uso inadequado dos dispositivos de segurança como o capacete, o cinto de segurança e os dispositivos de retenção para crianças (conhecidos popularmente como cadeirinhas).

Além destes, são apontados como outros comportamentos de risco emergentes que podem gerar sinistros de trânsito o uso de celulares por condutores de veículos e a condução de veículos depois do uso de substâncias psicoativas. O uso dos telefones celulares tem crescido nas últimas décadas e a cada dia converge ferramentas úteis, o que vem tornando seu uso mais frequente e duradouro. Os impactos do uso excessivo do telefone celular estão presentes em diferentes situações e ambientes como empresas, famílias, no trânsito e até entre amigos, como dispersor de atenção e agente de afastamento das tarefas presenciais, se tornando alvo de discussão por cientistas e legisladores.

Devido a estas problemáticas apresentadas, um dos desafios das políticas públicas é implementar medidas que modifiquem os comportamentos de risco, por meio das políticas de educação, engenharia de tráfego e fiscalização que sejam capazes de mudar o panorama das mortes no trânsito. Muito já se disse sobre o uso de telefone celular ao volante, mas ainda é preciso ressaltar seu funcionamento com as ferramentas atuais disponíveis, seus impactos no comportamento humano e a interpretação do seu uso na legislação de trânsito brasileira.

1.Direção Distraída

A direção distraída pode ser caracterizada como a falta de atenção (uma das principais competências exigidas para a condução segura) que acaba interferindo na recepção e processamento de informação, alterando e retardando a percepção e tomada de decisão do condutor. Não obstante, os sinistros de trânsito têm aumentado exponencialmente devido ao fator mencionado.

Conforme dados analisados por Andrade e Antunes (2020) entre os anos de 2007 e 2016, houve 643.231 acidentes com vítimas nas rodovias federais brasileiras, dos quais 194.203 (30,2%) tiveram como causa a falta de atenção ao conduzir. Ainda mensura-se que para cada morte no país em sinistro de trânsito por falta de atenção em rodovia federal há, em média, pelo menos 18 pessoas lesionadas.

Dados divulgados pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito (2020) revelam que aconteceram 24.102 sinistros em virtude da falta de atenção dos condutores, envolvendo 54.634 pessoas, sendo que 20.478 tiveram ferimentos leves, 6.354 ficaram gravemente feridas e 1.791 foram vítimas fatais.

Sherin et al. (2014) explicam a direção distraída como atividades que são realizadas simultaneamente com o dirigir e trazem prejuízo à atenção do condutor, dividindo-a e prejudicando a condução do veículo de forma segura. O conceito de direção distraída é bastante amplo e não está restrito somente ao uso do telefone junto ao dirigir. Essas distrações envolvem três formas básicas: a manual (caracterizada pela retirada de mãos do volante para realizar outra ação), a visual (que envolve o desvio do foco visual da via) e a cognitiva (que envolve o pensamento em outra atividade além da condução do veículo) e existe a possibilidade de ações que envolvem mais de uma delas numa mesma atividade.

Exemplos de comportamentos de direção distraída incluem comer, fumar, operar o rádio, conversar com outros ocupantes do veículo, utilizar um telefone celular para realizar ligações ou utilizar aplicativos de texto, uso do GPS dentre outros. A condução veicular nessas condições maximiza o risco de sinistros e compromete a condução segura em níveis diferentes a depender do comportamento executado. O uso de celular para teclar enquanto se dirige é potencialmente mais arriscado pois combina as três formas de direção distraída.

2. O Uso do Telefone Celular no Trânsito

A OPAS (2018) explica que a direção distraída de veículos pelo uso de celulares tem se tornado uma preocupação emergente para a segurança viária, representando um problema na relação trânsito e saúde devido a popularização de smartphones, pois envolve os três tipos de distrações, a visual, a manual e a cognitiva.

Hole (2017) explicita que a direção distraída apresenta particularidades em seu estudo, especialmente sobre o uso da tecnologia viva-voz. Atualmente esse uso pode ser feito pelo próprio aparelho ou por meio de sincronização via bluetooth com unidades de som instaladas nos veículos. O autor evidencia que muitas pessoas tendem a acreditar, erroneamente, que somente há risco se o condutor estiver utilizando o telefone sem as mãos no volante enquanto conduz, mas desprezam o fator de distração cognitiva que existe mesmo com o uso da modalidade viva-voz.

Hole (2017) explicita ainda que a condução de veículos simultânea com o uso de celular possui interferências na esfera cognitiva, como aumento no tempo de reação em uma frenagem emergencial resultando em aumento do espaço de execução e aumentando a possibilidade da ocorrência de um sinistro. Nos estudos que mediram as interferências no campo de visão pelo uso do celular durante a condução de veículos, os motoristas apresentaram prejuízos na parte periférica, com visão em túnel, semelhante ao que acontece na condução após o consumo de bebidas alcoólicas, com presença de interferência cognitiva relativa à divisão atencional e prejudicando o foco visual. Foram também relatados casos da chamada cegueira da desatenção, em que o motorista olha a situação com foco à sua frente, mas não a vê, não conseguindo processar a informação a tempo de reagir conforme seria necessário para manter a segurança.

Dentre os comportamentos de uso do celular durante a condução, o de teclar e dirigir é especialmente arriscado, pois estudos como o de Drews et al. (2009) com o uso de simulador de direção, apontam o aumento no tempo de reação para frenagem do veículo, adoção de um estilo mais agressivo e propenso a derrapagens, aumento no tempo de reação em cerca de ¼ de segundo e das colisões com o carro da frente em 86%, afetando a distância segura de seguimento e impossibilitando uma manobra de direção defensiva que evitasse a colisão.

Redelmeier e Tibshirani (1997) em estudo realizado com monitoramento feito por Eletroencefalograma demonstraram que durante o uso do telefone existe a interferência, e que ela pode se manter por até dez minutos após o fim da interação, com efeitos cognitivos de distração presentes em decorrência de divisão entre o conduzir e os desdobramentos no pensamento sobre o assunto tratado com outrem. Isso foi constatado pela diminuição de atividade cerebral do funcionamento visual e aumento de atividade relacionada com a solução de problemas.

3. Infrações pelo Uso do Telefone Celular no Brasil

A legislação brasileira prevê o enquadramento infracional no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) de formas variadas do uso de telefones celulares concomitantemente com o dirigir. A legislação enquadra até mesmo o motorista que utilizar o celular com o carro parado no semáforo. O Art. 252 do CTB disciplina que se o condutor estiver utilizando o telefone celular para conversação com as duas mãos ao volante, incluídos o uso por viva-voz do próprio aparelho ou conexão por bluetooth com aparelho sonoro do veículo a infração será a prevista no inciso VI, representando uma infração média. Se o uso do telefone celular acontecer enquanto dirige com apenas uma das mãos o enquadramento será pelo inciso V, considerado como infração gravíssima.

Segundo Couto et al. (2020) o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) registrou 268 mil e 300 multas, aumento de 167% de autuações emitidas em 2017, pelo uso do celular ao volante no primeiro semestre de 2018. Já em 2019 de acordo com o DENATRAN (2019) foram registradas 523.096 infrações correspondentes aos enquadramentos que contemplam o uso do celular na condução.

Desta feita, faz-se necessária a criação de hábitos que garantam a segurança daqueles que estão nos veículos e também ao redor. O uso do celular no trânsito, além de gerar autuações, significa risco para a própria vida e a dos outros que compartilham o espaço público que sedia os deslocamentos.

4. Soluções para o Uso do Celular no Trânsito

Mediante o que já foi exposto, não resta dúvidas de que a distração causada pelo uso do telefone celular ao dirigir é uma potencialidade para a ocorrência de sinistros, representando risco constante e requer essencialmente medidas preventivas para a modificação comportamental, não existindo uso seguro do celular em conjunto com a condução veicular.

Dentre as estratégias possíveis para evitar a utilização do aparelho durante a condução estão o planejamento do período de condução e antes de iniciar o trajeto realizar a utilização necessária. Colocar o telefone no silencioso, e em lugar de difícil acesso, longe do alcance da mão, pode ser eficiente para evitar o manuseio em caso de chamadas ou notificações de aplicativos de texto. O porta luvas, a bolsa ou mochila podem ser lugares excelentes para essa finalidade. Se durante o deslocamento for necessário utilizar o GPS é interessante programar o trajeto antes de colocar o veículo em movimento e afixado no painel, em suporte próprio para evitar possível queda do aparelho durante a viagem. O suporte deve ser instalado em local confortável para o foco de visão, evitando desviar totalmente o olhar da via para enxergar as informações essenciais no GPS.

Durante a condução, se for indispensável algum uso do celular, o veículo deve ser estacionado para efetivar a operação com segurança, pois de acordo com a legislação, realizar o uso durante paradas no semáforo é passível de autuação pelos agentes da autoridade de trânsito responsáveis pela via utilizada para deslocamento.

Considerações Finais

Um estudo de Bianchi e Summala (2004) identificou que o comportamento familiar influencia as crianças como futuras motoristas, o que reforça a necessidade de leis aplicáveis relativas ao uso de celular, e de programas de educação no trânsito sobre a temática visto a alta utilização de tecnologias digitais atualmente.

Embora o smartphone tenha adquirido cada vez mais espaço na sociedade por suas importantes funcionalidades, O American College Of Preventive Medicine (SHERIN et Al., 2014) corrobora que as pesquisas científicas evidenciam as relações entre a direção distraída (manual, visual e cognitiva) e a ocorrência de sinistros. Vale salientar que o condutor não somente corre o risco de ser notificado, como também pode se envolver em sinistros e comprometer a sua integridade física, mental ou até mesmo a própria vida, estendendo essas consequências para quem estiver dentro do carro e na via.

Portanto, cabe também aos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito engendrar esforços para auxiliar na mitigação do problema. O ACPM (SHERIN et Al., 2014) ratifica a necessidade da criação de leis, fiscalização e programas educativos que sensibilizem os usuários sobre a direção distraída, pelo uso do celular, e de outras formas também.

Referências

Andrade, F. R. DE; Antunes, J. L. F. (2020). Falta de atenção ao conduzir veículo automotor como causa de acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. v. e200085. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720200085. Recuperado em 29/03/2021.

Atchley, P.; Tran, A.V; Salehinejad. (2017). Constructing a publically avaible distracted driving database and research tool. Accident Analysis and prevention, n.99; 306-311.

Bianchi, A.; Summala, H. (2004). The “genetics” of driving behavior: parents driving style predicts their children’s driving style. Accid Anal Prev, n.36, v. 4, pgs 655-659.

Couto, A.A; Couto, A.A; Scorcine, C; Prado, L.B.F (2020). Celular na direção veicular: revisão de literatura. Disponível em: https://abramet.com.br/repo/public/commons/Artigo_Celular%20na%20dire%C3%A7%C3%A3o%20veicular_revis%C3%A3o%20de%20literatura.pdf. Recuperado em 25/05/2021.

Departamento Nacional de Trânsito. (2019). Informe Quantitativo de Infrações. Disponível em: http://antigo.infraestrutura.gov.br/component/content/article/115-portal-denatran/9079. Recuperado em 06/06/2021.

Drews, F.A., Pasupathi, M., & Strayer, D.L. (2008). Passenger and Cell Phone Conversations During Simulated Driving. Journal of Experimental Psychology Applied, 14(4), 392–400. Doi: 10.1037/a0013119

Hole, G. J. (2017). Psycholgy of Driving. London: Rotledge.

Organização Pan-Americana Da Saúde. (2018). Trânsito: um olhar da saúde para o tema. Brasília: OPAS.

Programa Volvo De Segurança No Trânsito. (2020). Atlas da acidentalidade no Transporte Brasileiro. Disponível em: https://www.atlasacidentesnotransporte.com.br/consulta. Recuperado em 01/06/2021.

Redelmeier, D.A; Tibshirani, R.J. (1997). Association between cellular telephone calls and motor vehicle collisions. The new England journal of medicine, n. 336, pgs 453-458.

Sherin, K.M; Lowe, A.L; Harvey, B.J; Leiva, D.F; Malik, A.; Mathews, S.; Suh, R. (2014). Preventing Texting While Driving. A statement of American College of Preventive Medicine. Am J prev Med, n.47, v.5 pgs. 681-688.

World Health Organization. (2009). Global status report on road safety: time for action. Geneva: World Health Organization.